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ESCURIDÃO

Atualizado: 14 de abr. de 2020




Despertou na escuridão do quarto. As trevas no cômodo eram tão densas que não podia sequer enxergar sua mão na frente da sua cara. Por que estava tão escuro daquele jeito? Provavelmente tinha faltado energia elétrica. Era isso. Toda semana era certo. A julgar pelo silêncio devia ser ainda de madrugada. Estava com sede. Ia levantar para beber água, mas desistiu. Entregou-se ao irresistível torpor que a dominava. Deixou-se estar na cama, afundada confortavelmente no colchão macio que comprara recentemente. Apesar da letargia, não conseguiu mais conciliar o sono. Ficou ali, olhando para o negror da escuridão que oprimia o quarto. Percebeu, com surpresa, que estava usando um vestido. Chegara tão cansada ou bêbada que nem conseguira se despir. Mas, chegara de onde? Não conseguia se lembrar. De repente uma profusão de pensamentos desconexos invadiu a sua mente. Eram imagens de sua mãe, que não via há mais de um mês; de seu pai, falecido há dois anos; de seu namorado, a única pessoa que a compreendia. A saudade dele veio oprimir-lhe o coração. Desejou ardentemente que estivesse ali com ela, para fazerem amor até o amanhecer. Ansiava naquele momento pelo calor de seu corpo, por sentir o seu cheiro, mas também, ao mesmo tempo, e estranhamente, sentia-o distante, inalcançável. Talvez fosse aquela escuridão que a tivesse afetando. Lembrou da última vez que estiveram juntos, há uns dois ou três dias atrás. Viajaram de carro. Mas, pra onde mesmo? Puxou pela memória, tentando atravessar o véu que encobria a sua mente. Foi quando sentiu um calafrio percorrer a sua espinha. Cenas aterrorizantes de um acidente começaram a passar rapidamente, como num filme, bem diante de seus olhos. Nelas via seu namorado, ensanguentado, com o tórax esmagado contra o volante. Via a si mesma no banco do carona, paralisada, sem poder mexer sequer um dedo. Queria ajudá-lo, mas seu corpo não estava mais obedecendo aos comandos do cérebro. Subitamente uma onda de pânico a invadiu, seguida por uma sensação claustrofóbica incontrolável. Era aquela maldita escuridão que estava afetando o seu equilíbrio emocional. Ergueu-se da cama, porém sua testa chocou-se com uma superfície dura. Tateou em volta e sentiu outras superfícies sólidas e irregulares circundando-a. Percebeu, com horror, que estava encerrada dentro de um invólucro, de uma espécie de caixa. Meu Deus, não. Por favor, não. Seu sangue gelou nas veias. Agora sabia exatamente o que estava acontecendo, da realidade horripilante que se abatia sobre ela.

-- Socorro, eu ainda estou viva!

Seus gritos desesperados ecoaram somente no interior do caixão. Os sete palmos de terra os abafaram, mantendo imperturbável o silêncio que pairava, soberano, sobre os túmulos.

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