Música para tempos sombrios - Por: Sr. Arcano
Em tempos de isolamento e vírus contaminando as grandes cidades de todo o planeta, deixando um rastro de morte e grandes prejuízos em diversos setores como o financeiro, o econômico e o social, qual seria a melhor trilha sonora para uma realidade tão desoladora?
Para um soturno como eu, escolheria uma melodia triste, que lembrasse uma despedida, o fim de tudo; algo sombrio e ao mesmo tempo belo, e com toques de horror; algo que – apesar de apocalíptico – anunciasse um futuro silencioso, sem a gritaria de nossa discórdia boçal e diária.
E eis que, para minha surpresa, descubro que o Sopor Aeternus acaba de lançar mais um grande trabalho, com elementos sombrios, de horror, apocalíptico... e impregnado de beleza, algo que sempre foi sua marca ao longo de toda a sua carreira.
O álbum recente, intitulado Island of the Dead, é uma viagem ao mundo dos sonhos tenebrosos. Um dos trabalhos mais primorosos de Sopor Aeternus desde Sanatarium Altrosa (2004), Les Fleurs Du Mal (2004), Poetica (2013), e Death and Flamingos (2019).
Uma faixa que se destaca por sua melodia, e por completar o conjunto da obra com letras que se ligam ao tema da solidão e abandono é Deathhouse. Seu ritmo contagiante, melodioso e dançante invade nossa alma. A letra sugere que, em tempos de isolamento, quando aquele seu suposto amor diz não ter tempo para você, isso também é um sinal do abandono sugerido pelo conjunto da obra. Observem a letra da música (tentei traduzir da forma mais fiel possível):
Quando ele não pode lhe dar
Cinco segundos do seu tempo
Porque isso é o suficiente
Para lhe dar um simples Oi
É porque você não tem prioridade
Você não faz parte da vida dele
Ele nunca pensa em você
Embora ele diga o contrário
É um sinal, é um sinal, garota
Abra seus olhos!
Por favor, não se engane, menina
Ouça meus conselhos
É um sinal, é um sinal, garoto
Abra seus olhos!
Ela não se importa com você
O que ela chama de amor é uma mentira!
Quando ele não pode lhe dar
Cinco segundos do seu tempo
Nem uma vez por semana
Para lhe dar uma merda de Oi
Então você não significa nada pra ele, garota
Você não faz parte da vida dele
Não, ela nunca pensa em você, garoto
Ela não se importa, se você vai morrer
É um sinal, é um sinal, garota
Abra seus olhos!
Ele é apenas um idiota egoísta
Não é o seu príncipe encantado
É um sinal, é um sinal, garoto
Por favor, abra seus olhos!
Ela nunca se importou com você
O que ela chama de "amor" é uma mentira!
Ei garota!
Ei menino!
Ei garota!
Ei menino!
Sopor Aeternus é um projeto que reflete nossos tempos solitários, e este álbum em particular fala da incapacidade de a maioria das pessoas serem mais que pessoas comuns; da incapacidade de serem livres, pois no fim acabam se entregando à vida rotineira e sistemática dos tempos modernos, com seus modismos e ilusões. É arrebatadora a faixa que encerra o álbum, desgraçando nossa existência insignificante com sua letra marcante e composição sorumbática. Ana Varnea costuma incorporar uma personagem feminina para representar os sentimentos trágicos do sexo oposto, e a faixa Goodbye desgraça nossa simplicidade como cidadãos comuns e previsíveis, ao falar sobre um homem que se iludiu com um amor que nunca poderia ser seu, e por isso “ela” a liberta desse fardo para que ele possa viver em paz com sua insignificância.
Ana Varnea Cantodea, vocalista, compositor e responsável pela performance teatral de seus clipes, nunca se apresentou em público. Faz de seu isolamento um refúgio e inspiração, e com suas melodias sublimes e soturnas também nos inspira em nossos momentos solitários, isolados do mundo caótico e repleto de intolerância, onde o ódio gratuito predomina em nome da ignorância.
No programa Hora Soturna nº 22 que estreia no próximo Domingo, dia 22 de Março, a playlist será toda com as faixas desse álbum. E eu convido meus ouvintes e leitores a se isolarem comigo. Apaguem a luz, desliguem o mundo, abram uma garrafa de vinho, e ouçam às 18h a Hora do Voo da Coruja.
Comments