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Blog Soturno

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Foto do escritorMauro A. Souza

“Tradição” de Halloween


A primeira criança começou a estrebuchar logo que chegou em casa, tirou sua máscara do Jason, jogou o facão — feito com papelão — no chão e abriu sua sacola cheia de doces coletados naquela tarde. Como era fanático por chocolates, foi justamente uma barra, que parecia artesanal — pois tinha formato de uma bruxa, com olhos e boca com sorriso maléfico delineados em sua superfície — que provou primeiro. E foi logo após dar a última mordida no saboroso chocolate que as cólicas se iniciaram.


Em outra quadra, próxima à casa do garoto que usara a fantasia de Jason para aquele dia de Halloween, uma menina maquiada e vestida como a Arlequina, se contorcia no meio da rua. Ela não havia aguentado esperar chegar em casa e, encantada com o chocolate em forma de bruxa, comeu-o em apenas quatro mordidas. Logo, as cólicas deram lugar a espasmos e a convulsão evoluiu para um coma profundo em menos de 5 minutos. Nenhuma das pessoas que se juntaram ao redor da menina — que homenageara a personagem interpretada por Margot Robbie nos cinemas — conseguiu salvá-la.


Assim aconteceu com várias crianças na redondeza. O menino vestido de Drácula, o outro, com a máscara do “V”, a garota fantasiada de Mortícia e a que usava máscara de bruxa; além de muitas outras. Todas sendo acometidas por cólicas, que evoluíam para uma convulsão que as levava ao coma profundo em minutos.


De sua casa, ela acompanhava tudo. Sentada em seu sofá, uma xícara de chá feito com ervas amargas em uma das mãos e de olhos fechados, via com sua mente cada uma das crianças, captando seus verdadeiros rostos, idades, personalidades, nomes e algo mais, aquilo que lhe era mais importante.


Mais cedo, quando colocou a bacia contendo trinta chocolates em formato de bruxa na bandeja na frente da casa, a placa de pegue apenas um afixada por sobre ela, estava à espera daquele momento, e agora todo o processo estava próximo de ser concluído. Há séculos fazia aquilo, em localidades diferentes a cada ano, sempre evitando repetir as cidades, para que suas ações de 31 de outubro não ficassem tão evidentes.


Se em um ano escolhia uma cidadezinha na fronteira com o Canadá, no seguinte seria outra, mais próxima ao México e, provavelmente, escolheria uma cidade mais no centro dos EUA no subsequente. Não que se importasse que descobrissem sua tática, afinal, nunca iriam pegá-la, pois, como já fora salientado, há séculos fazia aquilo; desde a época em que aquela festa surgira, não nos EUA, mas na Irlanda, a partir de um festival Celta, chamado Samhain, uma celebração pagã que antecedia àquele que seria o dia dedicado aos mortos.


Claro que, na época, ainda antes do término do primeiro milênio, suas táticas para conseguir aquilo que prometera ao seu “Senhor” eram outras. Contudo, quando a tradição migrou para o Novo Mundo, levada pelos próprios irlandeses que chegavam aos EUA, no século IX, ela achou maravilhoso. Naquela época, o formato das celebrações já era bem próximo aos de hoje e, sendo aprimorado pelos americanos, com sua capacidade de marketing, sua missão anual ficou muito mais fácil.


Sentada em sua cadeira, cabeça recostada e olhos fechados, a mulher viu a última criança entrar em coma. Dentro de dois dias, todas teriam morte cerebral decretada pelos médicos, mas não importava, já as tinha. Ela abriu os olhos, tomou o último gole amargo de chá, depositou a xícara por sobre o criado mudo e levantou-se, seguindo na direção do espelho. Era hora de partir. Não voltaria mais àquela casa ou àquela cidade. Outra localidade a esperava no ano seguinte.


Chegou em frente ao grande espelho ovalado, onde podia ver por inteiro seu corpo nu. Bela, com cabelos extremamente negros e longos, lábios carnudos, nariz afilado e olhar penetrante, num tom castanho muito escuro. Seus seios fartos e rígidos tinham os mamilos duros, pois sempre se excitava com aquilo, afinal, após a oferenda, havia sempre uma recompensa do seu “Senhor” e muitas das vezes, essa recompensa envolvia prazeres carnais.


Observando sua imagem refletida no espelho, viu-a começar a se modificar aos poucos. A pele lisa se tornando cada vez mais ressequida e manchada, os cabelos negros e fartos esbranquiçando e tornando-se ralos, cheios de falhas no couro cabeludo, sua boca murchando, as pálpebras caindo e seu nariz afilado crescendo e inchando de forma descomunal. Também viu sua postura de mulher altiva se converter em uma decrépita corcunda, além dos seios, que caíam-lhe agora até a barriga, murchos e parecendo duas meias penduradas com pequenas bolas dentro.


Logo depois, viu a imagem das almas das crianças daquela tarde, assustadas atrás dela, porém, presas dentro do espelho. Ela então o atravessou, soltando uma gargalhada estridente e rouca, fazendo as crianças se encolherem de medo. Era hora de levar suas oferendas ao seu “Senhor” e esperar pelas “gostosuras” que teria como recompensa.

A casa, agora vazia, quando fosse vistoriada pela polícia, não teria vestígio algum de sua passagem por ali.


(Mauro A. Souza - para o nosso especial Halloween)


 

O escritor também faz parte da Antologia VAMPÍRICA - Contos de terror sobre vampiros, disponível em nossa loja - soturnos.com/product-page/vampirica



258 visualizações10 comentários

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10 Comments


Obrigado, Erika 🥰🥰

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Erika Scathach
Erika Scathach
Oct 22, 2020

Amei o conto Mauro, foi muito criativo e original, eu adoro histórias de Halloween!

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Obrigado, Maria de Fátima e Emmanuel. Lisonjeado aqui.

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Ótimo texto! Parabéns!!!

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Muito bom o texto. Parabéns ao autor.

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