Nascido numa SEXTA-FEIRA 13: breves notas sonoras sobre Zé do Caixão
- Círculo Soturnos
- 13 de mar. de 2020
- 5 min de leitura
Artigo de Fernanda Miranda (organizadora da Antologia Devaneios Cemiteriais - Editora Círculo Soturnos)

Eu não poderia deixar passar uma Sexta-feira Treze, e ainda por cima em um dia 13 de março sem lembrar de nosso querido mestre sombrio, José Mojica Marins, também conhecido de modo célebre como Zé do Caixão no terror nacional e Coffin Joe internacionalmente. Bom, faz poucas semanas que ele deixou órfãos os amantes do terror nacional, e veio a este mundo exatamente em uma Sexta feira 13, no mês de março.
O curioso é que já estava em meus planos abordá-lo em uma matéria desde o ano passado sobre suas participações em transmissões radiofônicas ligadas ao mundo do Rock e da cultura alternativa nos anos 2000, porém estava esperando que o aniversário dele caísse exatamente numa SEXTA-FEIRA TREZE tal qual seu nascimento. Por alguma razão que somente o universo conhece, isto somente aconteceu logo após sua morte.
Contudo seu legado ficará, tal como publiquei nas redes sociais na data de seu desenlace. Embora neste texto não estarei falando deste legado através de seus filmes -- algo que por ventura ainda pretendo fazer no futuro.
Neste simplório artigo falarei de uma faceta do Zé do Caixão a qual noto ser pouco lembrada nos últimos anos, infelizmente. Me refiro a quando, no início dos anos 2000, José Mojica Marins fez parte da saudosa equipe de locução do programa NOISE, na rádio 89 FM de Sorocaba. Na época esta formava a chamada "Rede Rock" juntamente com a KISS FM de SP capital e a Rádio Cidade de RJ capital, esta última em seus anos áureos.
A participação do velho mestre neste programa deve ter iniciado muita gente no gênero do terror em contos, tal qual ocorreu com esta que vos fala. O programa era focado no Heavy Metal e suas vertentes, incluindo as que possuem vínculo com o goticismo de alguma forma. Na época tal programação e a inspiração que ela suscitava foi para mim uma iniciação em tudo o que sou hoje, incluindo as ligações com o mundo gótico e a arte cemiterial.
Contudo o foco aqui é citar como eram relevantes -- e creio que nostálgicos para muita gente tal como para mim -- os contos e pragas do Mestre Zé do Caixão (que era inclusive chamado exatamente de "Mestre" por outros locutores) transmitidos no NOISE com sua voz característica e que possuía um toque pessoal único juntamente ao tom sombrio e maravilhosamente sobrenatural que dava às palavras durante a transmissão.
Seus eflúvios sombrios radiofônicos eram sempre intercalados por "sons metálicos" (como ele mesmo costumava chamar as músicas apresentadas por outro locutor), e por vezes havia ainda uma ou outra piada de humor negro dentro da narrativa. Mas o ponto alto delas era de fato o horror dotado de temas insólitos e macabros que tanto fizeram a fama internacional do ilustre narrador.
Ao final de cada programa nosso mestre lançava a "Praga do Dia", um quadro que continha um belo toque de crítica política e social ligado aos acontecimentos verídicos da época e direcionadas a figuras políticas, celebridades e quaisquer pessoas que publicamente merecessem ser amaldiçoadas com tom sarcástico, por compartilharem com o mundo o desserviço que era sua nociva e decrépita existência.

Como exemplo das Pragas do Dia citadas acima, me recordo de quando o saudoso mestre soube dos turistas que iam aos escombros das torres gêmeas, do desastre recém ocorrido no Word Trade Center nos dias que sucederam o 11 de setembro, turistas intencionados a fazerem um tipo de turismo macabro que desrespeitava a dor dos entes queridos dos mortos na famosa tragédia. Naquele Domingo ao final do NOISE a Praga do mestre foi direcionada para eles.
Falando em grandes desastres, foi com as participações do mestre no NOISE que ouvi falar pela primeira vez do incêndio do edifício Joelma e as histórias fantasmagóricas envoltas neste fatídico acontecimento nacional, mas o que realmente me marcou e certamente ficou na memória de muita gente eram as narrativas sinistras e muito bem narradas dos contos de terror que o mestre trazia para a programação do NOISE e que certamente davam um toque marcante e especial ao programa, tornando-o de fato único.
E vale lembrar que ele pode ter sido um pioneiro neste formato de um "terror radiofônico", muito antes de as webradios que hoje em dia continuam com modos de transmissão focados nesta maravilhosa atmosfera, em programas semelhantes e igualmente cativantes, tal qual não posso deixar de citar como exemplo deste cenário atual a Soturna Sintonia em programas como Atmosfera Fantasma e Hora Soturna, tal como a adição dos contos e poesias de temática sombria narrados ao longo da programação. Me alegra a existência de tais eflúvios radiofônicos tanto no passado quanto no presente.
Mas voltando ao velho mestre, me lembro também de uma edição do citado programa da 89FM, onde o Zé do Caixão entrevistou dois agentes funerários. Normalmente outros locutores do NOISE entrevistavam bandas ou personalidades do metal, nacionais e internacionais em algumas edições especiais.
Entretanto o mestre entrevistou dois agentes funerários comuns, sem nenhuma fama, e relembro que gostei bastante exatamente do espaço que foi dado para que eles falassem de coisas incomuns ou estranhas que viam acontecer em seu dia a dia, e que ali encontravam a atenção do público ideal para ter a curiosidade que os permitisse contar. Lembro que entre os relatos curiosos estava a história de um casal que havia feito um pacto suicida logo após contratar os seus serviços funerários, e haviam sido encontrados mortos pelos entrevistados ainda nos corredores do prédio, entre outros exemplos de ocorrências semelhantes.
Porém, para mim, o ponto alto desta entrevista que quero trazer aqui -- e que realmente ficou bem relevante a ser relembrado e focado agora -- foi quando um dos agentes funerários disse que "queria ter a honra de cuidar do corpo do próprio Zé do Caixão quando este falecesse", e o próprio José Mojica Marins, enquanto ainda encerrava a entrevista deu a resposta que para mim se tornou histórica e a qual quero registrar nestas linhas, tendo sido o exato motivo que me inspirou a escrevê-las... Inclusive encaro tais palavras como aquilo que todos fãs e admiradores de Coffin Joe devemos pensar daqui por diante. Eis o que o mestre Mojica respondeu ao agente funerário:
"Quem vai morrer um dia será só o intérprete, pois o Zé do Caixão não morre! Será eterno..."
Bom, após isto creio não haver mais nada que eu venha a comentar sobre ser relevante, uma vez que a frase é forte, e já carrega em si o significado que quero deste pequeno artigo (ou nostálgico devaneio). Assim encerro com mais uma frase dita pelo mestre José Mojica Marins no citado programa, a qual foi anotada e por mim na época, com a qual até hoje muito me identifico, e aqui compartilho:
"O medo da morte te faz viver por mais tempo, porém o medo da vida faz com que você morra antes que perceba..."
(Zé do Caixão)

Por fim, como estamos relembrando o saudoso mestre em suas participações sonoras mais relevantes ligadas ao mundo do Rock nacional e afins, não posso deixar de citar a música feita com a banda Sepultura, deixando aqui sua letra e vídeo:
Sepultura e Zé do Caixão - Prenúncio
Quem sou eu não interessa
Como também não interessa
Quem é você, interessa é saber
O que somos
A vida ou a morte
Coragem ou medo
Em resumo o que procuras
O paraíso ou o inferno?
O que é mais violento
Os animais, a força da natureza? Não!
É o aprisionamento da liberdade de expressão
Sentir, ouvir e não poder falar
De que servem as regras,
Burocracia, sistemas e leis
Se o carrasco do poder
Degola a nossa cultura
Ah, você não se importa com o destino do mundo
És corajoso demais
Então por que tremes diante do caixão?
Seu melhor amigo evita a sepultura
Sua certa e última morada
Ah, temes a batalha do Armageddon
A ira do Liviatan, o apocalipse final
Mas por que esse temor
Se passastes por todos os prazeres terrenos?
Os sete pecados capitais
E todas as aberrações sexuais
Hum, porque está ciente
De que não existe o terror
No entanto o terror o aprisiona
Mas o que é o terror?
Não aceita o terror porque o terror é você
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