Sobre uma assombração vou contar uma história
De meu trágico amor tão fatal quanto triste,
Que feriu e ficou sangrando na memória
De uma horrível dor que em meu coração persiste...
Certa vez, meu angélico e sublime amor,
No auge da loucura, resolveu desistir
De sentir em seu pálido corpo o calor,
Minha loura bela desistiu de existir.
Apertando vigorosamente uma faca
Que enterrou-se no fundo de seu ventre frágil.
E para fugir dessa dor que nada aplaca
Fiz seu epitáfio de forma simples e ágil.
No epitáfio que escrevi não muito dizia
Além do fato de que ela foi muito linda,
"Sua beleza todas as manhãs renascia
Do mundo dos sonhos de uma nascente infinda".
E escrevi, sozinho, esse meu soturno adeus
Na capela onde estava o cadáver de Sara.
Hoje, muitos sabem que os escritos são meus,
Mas a lembrança de seu rosto ficou rara...
E ao tentar, em meu desespero, relembrar,
Totalmente louco fui ao túmulo dela.
Movido pelo amor consegui descerrar
O sombrio caixão de minha amada donzela.
E ao rever minha adorável e eterna amada
Com seu ventre perfurado e o corpo estragando;
Uma inocente e sensível vida acabada;
Meu amor que o tempo estava desintegrando;
Fui consumido por um desejo macabro
Que abraçou meu espírito com tentação:
Sob a fraca luz de um medieval candelabro
Deitei-me ao lado de seu cadáver no chão.
Ao provar, tão voraz, do fúnebre pecado
Que no ato de loucura um necrófilo faz,
Estranhamente vi que o meu simples passado
Teve em nosso escasso tempo um gosto fugaz...
E ao procurar de qualquer jeito resgatar
Uma alegre e esplendorosa vida perdida,
Irredutível, resolvi não mais pensar
Na razão que nos leva à sensatez da vida.
Devolvi minha Sara para sempre amada
Ao seu túmulo frio, quando tive um delírio:
De olhar inquisidor, uma imagem sagrada
Desenvolveu profundamente o meu martírio.
E com ódio eu disse: "Se o seu Deus não aceita
Que este valiosíssimo desejo amoroso
Que em sonhos declarados seduz e deleita,
Traga minha doce e amada Sara ao meu gozo,
Então sou imperturbavelmente profano,
Como um demônio pecando em subterfúgio.
Pois a Sara que foi para o celeste plano
Eternamente será meu deus de refúgio".
E triste, pensei nesse refúgio sem vida
Que em minha despedida ficou para trás.
Deixei a capela em minha triste partida
Em direção aos fúteis caminhos mortais.
Mas, talvez, por ter decidido caminhar
Para um fado longe da minha amada morta,
Uma voz trazida na brisa tumular
Rasga a noite, e o sepulcral silêncio ela corta.
Era a doce voz de minha eterna donzela,
Minha Sara, do mundo dos mortos, falava.
Foi bom lembrar de como sua voz era bela,
Voz que nessa noite o cemitério encantava.
Como um feitiço de melodia me chamava,
Desejando ter ao seu lado este meu ser.
E eu, com dificuldade e sem paz caminhava,
Indo embora para mais em prantos sofrer.
Sara não me deixava partir, e sofria
Entre longos gritos de sua plangente dor.
Lembro, com sofrimento, que ela me pedia:
"Por favor, não se vá. Fique comigo, amor".
Que horror... sonhador e pungente campo-santo
De uma noite macabra, tão louca e assombrada!
Envolvendo e embalando meu eterno pranto
Pela morta amada, minha Sara adorada.
"Por favor, não se vá. Fique comigo, amor".
Ouvir essa frase torturante era atroz.
Comecei a gritar minha dor com furor,
Libertando a loucura de uma voz feroz:
-- SARAAA!!!
De tanto sofrer pela minha morta amada
Não pude conter meus desesperados prantos.
Ajoelhei-me ao peso de ter Sara velada
Durante anos por imagens de anjos e santos.
Sem querer suportar, decidi me matar,
Pôr um fim em meus viventes anos de dor,
Para o espírito de minha Sara encontrar
E recomeçar nosso interrompido amor.
Levantei aquela mesma faca insensata
Contra a dor lancinante dentro do meu peito,
Dor esta que, de forma destrutiva, mata
Com seu golpe explosivo e cruelmente perfeito.
Numa fome de morrer estranha e voraz,
Com força, fui trazendo a faca ao coração.
De repente uma moça, que surge por trás,
Segurou com muita firmeza minha mão.
Essa moça de mão transparente era Sara,
Ela impediu, subitamente, minha morte.
Seu fantasma, inadvertidamente me pára
Rapidamente, como num golpe de sorte.
No auge das emoções ela pede implorando
Para que toda essa nossa dor tenha um fim,
E ela também pede, dessa vez ordenando:
"Por favor, meu amor, não se mate por mim".
Uma grande e terrível dor que jamais sara
Foi milagrosamente sarada por ela.
Somente minha Sara que entende e repara
Nessa ambígua dor de morte e amor, triste e bela.
E eu, sozinho, não posso decidir morrer
Se ela diz em meu espírito que eu não devo,
(Ela pode, para todo o sempre viver
Nestes imortais versos que em saudade escrevo).
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