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Álvares de Azevedo - Tarde de Outono

Atualizado: 8 de mar. de 2020


Poema: "Tarde de Outono"

Autor: Álvares de Azevedo

Narração: Renan Caíque e Sandy Rocha


O POETA Ó musa, por que vieste E contigo me trouxeste A vagar na solidão? Tu não sabes que a lembrança De meus anos de esperança Aqui fala ao coração?

A SAUDADE De um puro amor a lânguida saudade É doce como a lágrima perdida, Que banha no cismar um rosto virgem: Volta o rosto ao passado e chora a vida.

O POETA Não sabes o quanto dói Uma lembrança que rói A fibra que adormeceu?... Foi neste vale que amei, Que a primavera sonhei, Aqui minh'alma viveu.

A SAUDADE Pálidos sonhos do passado morto É doce reviver mesmo chorando: A alma refaz-se pura. Um vento aéreo Parece que do amor nos vai roubando.

O POETA Eu vejo ainda a janela Onde, à tarde, junto dela Eu lia versos de amor... Como eu vivia d'enleio No bater daquele seio, Naquele aroma de flor!

Creio vê-la inda formosa, Nos cabelos uma rosa, De leve a janela abrir... Tão bela, meu Deus, tão bela! Por que amei tanto, donzela, Se devias me trair?

A SAUDADE A casa está deserta. A parasita Nas paredes estampa negra cor, Os aposentos o ervaçal povoa, A porta é franca... Entremos, trovador!

O POETA Derramai-vos, prantos meus! Dai-me mais prantos, meu Deus! Eu quero chorar aqui... Em que sonhos de ebriedade No arrebol da mocidade Eu nesta sombra dormi!

Passado, por que murchaste? Ventura, por que passaste Degenerando em saudade? Do estio secou-se a fonte, Só ficou na minha fronte A febre da mocidade.

A SAUDADE Sonha, poeta, sonha! Ali sentado No tosco assento da janela antiga, Apóia sobre a mão a face pálida, Sorrindo - dos amores à cantiga.

O POETA Minh'alma triste se enluta, Quando a voz interna escuta Que blasfema da esperança... Aqui tudo se perdeu, Minha pureza morreu Com o enlevo de criança!

Ali, amante ditoso, Delirante, suspiroso, Eflúvios dela sorvi, No seu colo eu me deitava... E ela tão doce cantava! De amor e canto vivi!

Na sombra deste arvoredo Oh! quantas vezes a medo Nossos lábios se tocaram! E os seios, onde gemia Uma voz que amor dizia, Desmaiando me apertaram!

Foi doce nos braços teus, Meu anjo belo de Deus, Um instante do viver... Tão doce, que em mim sentia Que minh'alma se esvaía... E eu pensava ali morrer!

A SAUDADE É berço de mistério e d'harmonia Seio mimoso de adorada amante: A alma bebe nos sons que amor suspira A voz, a doce voz de uma alma errante.

Tingem-se os olhos de amorosa sombra, Os lábios convulsivos estremecem; E a vida foge ao peito... apenas tinge As faces que de amor empalidecem.

Parece então que o agitar do gozo Nossos lábios atrai a um bem divino: Da amante o beijo é puro como as flores E dela a voz é doce como um hino.

Dizei-o vós, dizei, ternos amantes, Almas ardentes que a paixão palpita, Dizei essa emoção que o peito gela E os frios nervos num espasmo agita.

Vinte anos! como tens doirados sonhos! E como a névoa de falaz ventura Que se estende nos olhos do poeta Doira a amante de nova formosura!

O POETA Que gemer! não me enganava! Era o anjo que velava Minha casta solidão? São minhas noites gozadas E as venturas choradas Que vibram meu coração?

É tarde, amores, é tarde: Uma centelha não arde Na cinza dos seios meus... Por ela tanto chorei, Que mancebo morrerei... Adeus, amores, adeus!


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